
Nos últimos anos, uma crise silenciosa vem se intensificando nas universidades brasileiras: a perda de interesse pelos cursos de engenharia. Embora o país dependa fortemente dessa profissão para impulsionar o desenvolvimento tecnológico, econômico e social, os sinais de alerta são claros — e, segundo especialistas, preocupantes.
Segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI), o Brasil apresenta atualmente um déficit de aproximadamente 75 mil engenheiros. A queda na procura pelos cursos de engenharia, a alta evasão e a desconexão entre a formação acadêmica e o mercado de trabalho revelam um cenário preocupante.
“Diante da escassez de profissionais qualificados e da rápida transformação tecnológica, é urgente tornar os cursos mais práticos, multidisciplinares e alinhados com os desafios reais do mercado”, destacou o engenheiro Ernesto Heinzelmann, membro titular da Academia Nacional de Engenharia (ANE).
Problemas embrionários na educação brasileira
Segundo dados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), 73% dos jovens brasileiros apresentam baixo desempenho em matemática, e apenas 1% atinge níveis de excelência. A engenharia, que exige raciocínio lógico, criatividade e visão de futuro, perde espaço entre os jovens que não se sentem estimulados nem preparados para seguir esse caminho.
Levantamentos do Censo Demográfico de 2022, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelaram que, entre os brasileiros com mais de 25 anos, apenas 18,4% concluíram o ensino superior.
Embora os indicadores mostrem um avanço significativo em relação a 2010, quando o registro foi de 11,3%, esse número ainda está abaixo da média dos países que fazem parte da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que registraram uma média de 48%.
A queda da engenharia e suas causas
Para Heinzelmann, a origem da crise vai além da matemática. Está na forma como a engenharia é ensinada: “É fato que mudanças são urgentes e necessárias para alterar este cenário. Reduzir burocracias, o estímulo à inovação e basear-se em bons exemplos internacionais podem ser recursos necessários nesta jornada”, completou ele.
O engenheiro também chama a atenção para um fenômeno geracional: as novas gerações — Z e Alpha — buscam propósito, impacto social e liberdade criativa, valores que não encontram nos moldes tradicionais do ensino superior em engenharia.
Outro fator que contribui para a baixa motivação dos jovens em seguir carreira na engenharia é a falta de valorização deste profissional no mercado de trabalho. Heinzelmann destaca que, muitas vezes, profissionais formados são contratados sob outros títulos, como o de analista, em uma estratégia utilizada para contornar a remuneração mínima estabelecida.
Essa prática compromete a percepção de retorno do investimento acadêmico, especialmente diante da longa e exigente formação necessária. Para muitos jovens, essa desconexão entre o esforço exigido pelo curso e a recompensa profissional futura acaba desestimulando a escolha pela engenharia como carreira.
Caminhos para reinventar a engenharia
De acordo com Ernesto Heinzelmann, a valorização da engenharia depende da reestruturação do modelo atual. “Compreender os novos comportamentos dos jovens, suas necessidades e alinhá-las com as demandas do mercado é uma combinação necessária para essa transformação educacional”, afirma.
Diante desse cenário, o engenheiro propõe um conjunto de soluções que envolvem reformas estruturais no ensino, mudanças metodológicas e uma nova visão sobre o papel do engenheiro na sociedade.
- Reformulação curricular com foco em competências
Ele defende a adoção de currículos modulares, interdisciplinares e orientados por projetos. Segundo Heinzelmann, é preciso introduzir já nos primeiros semestres disciplinas que conectem o estudante com problemas reais — como design thinking, sustentabilidade e inovação.
- Engenheiros como solucionadores de problemas humanos
A proposta vai além da técnica: segundo o especialista, o engenheiro deve ser formado para impactar positivamente a sociedade. “Adotar uma abordagem centrada no aluno, conectada com a sociedade e atenta às transformações do mercado é essencial para despertar o interesse dos estudantes e prepará-los para os desafios contemporâneos”, completou Heinzelmann.
- Conexão com o mundo real
Inspirado em modelos internacionais como o da University of Waterloo (Canadá), ele defende a integração entre teoria e prática por meio de estágios estruturados. O modelo co-op, em que os alunos alternam períodos de estudo e trabalho, deve ser considerado no Brasil.
- Tecnologia e metodologias ativas
Para Heinzelmann, é essencial romper com o modelo expositivo tradicional e apostar em laboratórios virtuais, realidade aumentada, simuladores e salas de aula invertidas. Ele defende uma aprendizagem dinâmica, envolvente e orientada à resolução de problemas concretos.
- Criatividade, personalização e empreendedorismo
Por fim, o engenheiro propõe flexibilizar o percurso acadêmico, permitindo que o aluno construa sua própria trilha entre áreas como energias renováveis, cidades inteligentes, biotecnologia ou robótica. Para Heinzelmann, é preciso estimular projetos autorais e iniciativas empreendedoras.
O modelo universitário brasileiro precisa de uma reforma?
O ensino superior brasileiro vive um ponto de inflexão. A crescente evasão, os currículos engessados, a desconexão com o mercado de trabalho e a perda de relevância social revelam que o modelo universitário atual está esgotado. Em meio a esse cenário desafiador, Heinzelmann levanta uma provocação importante: como redesenhar a universidade brasileira para os desafios e oportunidades do século XXI?
Segundo ele, a resposta passa por coragem, inovação e visão de futuro. Inspirando-se em universidades de referência internacional, diversas propostas vêm ganhando força e apontam para uma nova lógica de ensino: mais centrada no estudante, conectada ao mundo real e orientada para a solução de problemas complexos.
Modelos como os do Olin College, Minerva University, University of Waterloo e Arizona State University demonstram que é possível construir experiências acadêmicas que unem teoria e prática, pesquisa com impacto e aprendizagem baseada em projetos colaborativos.
Nessas instituições, o aluno deixa de ser um receptor passivo de conteúdo e passa a ser protagonista de sua formação — desenvolvendo competências técnicas, socioemocionais e empreendedoras ao longo de toda a jornada universitária.
Para que o Brasil possa avançar em direção a um modelo mais eficaz, Heinzelmann reforça a necessidade de reformulação de currículos, estímulo a metodologias ativas, integração do ensino, pesquisa e extensão, fortalecimento da relação com empresas e comunidades, e promoção da internacionalização, sem perder o vínculo com a realidade local.
Uma nova engenharia
Segundo Ernesto Heinzelmann, não há como desenvolver um país sem formar bons engenheiros — e, para isso, é preciso reconstruir a base da formação. Para ele, a valorização da engenharia depende da reestruturação do modelo de ensino. A transformação que ele propõe vai além das salas de aula e requer a união entre universidades, empresas, setor público e sociedade.
O engenheiro concluiu sua análise sobre essa crise explicando que, se o país quer encontrar profissionais capazes de projetar pontes, desenvolver tecnologias limpas e criar soluções para os grandes desafios da humanidade, será necessário começar agora. Ele defende que, onde há engenheiros bem formados, há também um futuro em construção.
Conheça Ernesto Heinzelmann

Ernesto Heinzelmann é engenheiro e empresário com forte compromisso social, dedicado a projetos de transformação socioeducacional e cultural para jovens. Atualmente, preside a Heinzelmann Consultoria Empresarial e atua como líder em conselhos de diversas empresas. Também se destaca por sua participação em iniciativas como o Musicarium, instituição que oferece educação musical a crianças de baixa renda.
Foi presidente da Embraco, onde conduziu o processo de internacionalização da empresa e recebeu importantes reconhecimentos, incluindo o prêmio de Empresa do Ano e distinções internacionais por excelência em inovação tecnológica.
O empresário também é fundador do Movimento Catarinense pela Excelência, cofundador do Projeto Resgate e um dos principais apoiadores da Coree International School. Em reconhecimento à sua contribuição, a escola inaugurou em dezembro de 2023 o Teatro Coree Ernesto Heinzelmann, que vem se consolidando como um importante espaço de difusão artística e educacional.