Pacotes de esmeraldas e de dinheiro foram apreendidos na operação em São Paulo – Deflagrada pelo Ministério Público com apoio da PM, Operação Ícaro identificou grupo criminoso responsável por favorecimento de empresas. Auditor preso teria recebido mais de R$ 1 bilhão – Foto: Reprodução/TV Globo
O auditor fiscal Artur Gomes da Silva Neto, preso nesta terça-feira na Operação Ícaro, vivia de um salário de servidor público nada mau em comparação com a maioria dos brasileiros. A remuneração oficial dele era capaz de ultrapassar a casa dos R$ 60 mil em um único mês – antes dos descontos.
Apontado pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP) como o principal operador de um esquema bilionário de fraude tributária, Gomes é suspeito de receber cerca de R$ 1 bilhão em propinas desde 2021 para favorecer empresas com créditos tributários irregulares.
Segundo dados de transparência, em junho ele teve remuneração bruta de R$ 33.781,06, mais R$ 30.573,45 em pagamentos eventuais. Com o abate-teto – que limita ganhos ao salário do governador -, recebeu R$ 25.556,04 líquidos.
Outro servidor da Fazenda paulista, Marcelo de Almeida Gouveia, também foi preso. Ambos foram afastados das funções públicas.
Por que Sidney Oliveira foi preso?
A operação desta terça também prendeu o empresário Sidney Oliveira, dono da Ultrafarma, alvo de investigação do Grupo de Atuação Especial de Repressão aos Delitos Econômicos (Gedec).
O MP apura se, além da rede de farmácias, empresas como Fast Shop, OXXO e Kalunga se beneficiaram das fraudes. Só em 2024, foram localizados 174 e-mails na caixa de mensagens de Gomes tratando de benefícios à farmacêutica.
Segundo o MP, a investigação conduzida pelo Grupo de Atuação Especial de Repressão aos Delitos Econômicos (GEDEC) identificou um grupo criminoso responsável por favorecer empresas do setor varejista em troca de vantagens tributárias indevidas. Além de Ultrafarma e Fast Shop, MP investiga se OXXO e Kalunga se beneficiaram de esquema criminoso.
Também foram presos dois empresários de companhias beneficiadas por decisões fiscais irregulares. Um deles é o dono da Ultrafarma, o outro é Mario Otávio Gomes, diretor estatutário do grupo Fast Shop, rede especializada no comércio de eletrodomésticos e eletrônicos. De acordo com informações de seu perfil na rede Linkedin, ele é formado em administração de empresas, começou a trabalhar na empresa em 1994 e exerceu o cargo de diretor de tecnologia por 20 anos.
Procurada, a Ultrafarma não retornou ao pedido do GLOBO. A Fast Shop informou que ainda não teve acesso ao conteúdo da investigação, e está colaborando com o fornecimento de informações às autoridades competentes.
De acordo com o MP, o fiscal manipulava processos administrativos para facilitar a quitação de créditos tributários às empresas. Em contrapartida, recebia pagamentos mensais de propina por meio de uma empresa registrada em nome de sua mãe. Constatou-se que o fiscal já recebeu, até o momento, mais de R$ 1 bilhão em propina.
“Os serviços que o auditor presta para a Ultrafarma guardam estreita semelhança com aqueles concedidos a Fast Shop. O fiscal orienta os membros da empresa em relação aos pedidos de ressarcimento de créditos de ICMS-ST; auxilia-os na tarefa, compilando até mesmo documentos para a empresa que deverão ser enviados à Sefaz; confere celeridade à análise dos pleitos e, por vezes, é o agente público responsável por deferi-los; o auditor, outrossim, auxilia a Ultrafarma, posteriormente, na cessão de tais créditos que lhe foram concedidos para outras pessoas jurídicas, por vezes homologando-os”, explica o MP, nos autos que deflagraram a operação.
“A operação é fruto de meses de trabalho investigativo, com análise de documentos, quebras de sigilo e interceptações autorizadas pela Justiça. Os investigados poderão responder pelos crimes de corrupção ativa e passiva, organização criminosa e lavagem de dinheiro. As diligências seguem em andamento”, informou o MP-SP em nota.
De acordo com reportagem recente do jornal Valor, as empresas têm atualmente um total de R$ 9 bilhões de créditos acumulados de ICMS com o Estado de São Paulo, quase o triplo do montante de 2022, que era de R$ 2,9 bilhões.
O Ministério Público cumpriu 19 mandados de busca e apreensão, resultando na apreensão de mais de R$ 1 milhão, dois sacos de esmeraldas, criptomoedas e documentos. A investigação, iniciada há seis meses, ainda está em andamento. Segundo o promotor de Justiça Roberto Bodini, há indícios de que outras empresas do setor varejista também possam ter participado do esquema.
As joias e a maior parte dos valores foram localizados com outro investigado, responsável por ajudar na lavagem de dinheiro do esquema, durante o cumprimento de um dos mandados de busca. Esse homem já tem antecedentes por estelionato em Mato Grosso do Sul (MS) e mandados de prisão expedidos contra ele e a esposa, que foram encontrados em Alphaville.
Outro mandado foi cumprido contra um segundo fiscal, em São Bernardo do Campo, com quem foram apreendidos US$ 10 mil, R$ 330 mil e milhões de reais em criptomoedas.
A investigação aponta que duas contadoras colaboravam com o esquema, ajudando a montar os pedidos de ressarcimento das empresas. Ambas estão sendo investigadas. Um terceiro servidor, que se aposentou em janeiro, também é suspeito de envolvimento. Ele foi alvo de busca nesta manhã.
Em nota enviada ao GLOBO, o Grupo Nós (dono da OXXO) afirmou que não foi notificado sobre a investigação e que está à disposição das autoridades competentes para, se necessário, prestar esclarecimentos e colaborar nos termos da lei.
Como funcionava o esquema
De acordo com o Ministério Público, o esquema funcionava por meio da empresa Smart Tax, registrada em nome da mãe de Neto. Em 2021, ela declarou que seu patrimônio consistia em R$ 411 mil. Já no ano de 2023, a investigada declarou patrimônio de R$ 2 bilhões. A empresa não tinha nenhum outro funcionário e sua sede era a residência do auditor, em Ribeirão Pires, onde foi preso nesta manhã. Até meados de 2021, a Smart Tax não apresentava qualquer atividade operacional.
No segundo semestre de 2021, a Smart Tax passou a movimentar valores elevados, recebendo dezenas de milhões de reais exclusivamente da rede varejista Fast Shop. Em 2022, os repasses dessa mesma empresa chegaram a pouco mais de R$ 60 milhões. Após a quebra do sigilo fiscal, a Receita Federal identificou que a Smart Tax recebeu da Fast Shop, em valores brutos, mais de R$ 1 bilhão.
Essas transações eram registradas por meio de emissão de notas fiscais e recolhimento de ICMS, dando aparência de legalidade aos serviços, diz Bodini.
– A mãe de um auditor fiscal, de uma idade já pouco avançada, sem a capacidade técnica para prestar qualquer tipo de assessoria tributária, sendo a proprietária de uma empresa de consultoria tributária e prestando serviços cujos honorários são milionários para grandes empresas do varejo. Essa constituição e esses recebimentos são comprovados através de emissão de notas fiscais. Essas emissões geraram recolhimento de ICMS, tudo feito, a não ser pela ilicitude do mérito, formalmente, tudo de maneira correta.
As investigações indicam que o mesmo tipo de “serviço” prestado pelo fiscal à Fast Shop também era realizado para a Ultrafarma. O esquema envolvia todas as etapas do processo de ressarcimento de créditos de ICMS: desde a coleta de notas fiscais e demais documentos necessários, passando pela elaboração e protocolo do pedido na Secretaria da Fazenda (Sefaz), até o acompanhamento e deferimento final.
De acordo com Ricupero, o fiscal detinha até mesmo o certificado digital da Ultrafarma para acessar o sistema da Sefaz e fazer os pedidos em nome da empresa. As investigações revelam que, em alguns casos, o fiscal conseguia liberar créditos muito acima do que a empresa realmente havia apurado, além de obter a aprovação de forma mais rápida do que seria possível pelo trâmite normal.
Bodini disse ainda que outras empresas do setor teriam relação com esse mesmo esquema. Ele explicou que, graças à quebra de sigilo telemático do auditor fiscal, foi possível confirmar que essas companhias também realizaram pagamentos dentro da mesma estratégia investigada.
Fonte: https://oglobo.globo.com – Por O Globo – São Paulo
Blog do Florisvaldo – Informação Com Imparcialidade