BLOGUEIRO DEUSIMAR O HOMEM FORTE DAS ABELHAS COMPARTILHANDO BRILHANTE ARTIGO DO CONTERRÂNEO AMIGO JOSÉ GONÇALVES.

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                                                                                     José Gonçalves/José Deusimar Gonçalves 

UMA CIDADE, UM MONTE, UMA CRUZ (A SAGA DE FREI APOLÔNIO DE TODI E O SURGIMENTO DE UMA LENDA SERTANEJA).

por José Gonçalves do Nascimento*

Quando, no primeiro quarto do século XIX, o naturalista alemão Carl F. P. von Martius e o cavalheiro inglês A. F. Mornay cruzaram o sertão baiano em busca do meteorito do Bendegó, Monte Santo já era uma vila de proporções apreciáveis, igualando-se a um sem-número de povoações que então despontavam no vasto território da antiga província da Bahia.

O início da povoação remonta aos tempos coloniais, sendo seu principal responsável o religioso italiano frei Apolônio de Todi, que ali estivera pela primeira vez em 1785, procedente da missão capuchinha de Massacará. Ali fora a convite de moradores da região, com a incumbência de pregar, batizar e celebrar casamentos.

Situado no sopé da serra do Piquaraçá, o antigo logradouro integrava os domínios do grande Morgado da Casa da Torre, cuja extensão principiava nos arredores da cidade de Salvador e se prolongava por praticamente toda a região nordeste. Era seu proprietário o velho e poderoso clã dos Garcia D’Ávila, precursor da aristocracia baiana e brasileira, conhecida desde sempre pela prática da pilhagem, que tinha como alvos preferenciais a terra, o ouro e o índio.

Ao alcançar o local, encanta-se o frade com a majestosa montanha. Acha-a parecida com o Calvário de Jerusalém, referido nos textos bíblicos. E convida o público presente a escalá-la em contrita penitência. Era primeiro de novembro de 1785.

Por ordem do religioso, cruzes de madeira foram fincadas ao longo do monte, de forma a delinear o traçado sobre o qual posteriormente seriam construídas as capelas que deram origem ao fabuloso santuário. “E sendo vontade de Deus – escreveu frei Apolônio anos depois, em carta ao conselheiro do rei – logo achei neste desabrido sertão muitos que sabiam de carapina e de pedreiro, de modo que mandei fazer cruzes grandes e no fim da missão, depois das duas horas, fiz o sermão da procissão da Penitência e daí às três horas da tarde se principiou a procissão da Penitência, indo colocando as cruzes no modo e na distância que ordenam os sumos pontífices”.

Durante o trajeto, foram os penitentes surpreendidos por fenômeno que os pôs à prova, significando, quiçá, o prenúncio de prodígios vindouros: “e quando se chegou à metade da colocação das cruzes de Nosso Senhor – continua o devotado filho de Francisco de Assis – repentinamente se levantou de uma baixa que descia do monte um furacão de vento tão violento, que não só apagou as lanternas que cada um trazia, mas foi preciso botarem-se no chão, especialmente as mulheres que vinham atrás. E assim, como todo povo ficou espantado, gritei que não temessem, mas que invocassem Nosso Senhor do Amparo, e, no mesmo instante, fazendo o sinal da cruz, sossegou e prosseguimos a procissão”.

Finda a missão, exortou o frade que tal penitência fosse repetida a cada ano, no dia de Todos os Santos; e que dito local não se chamasse mais Piquaraçá e sim Monte Santo. Tempos depois, de volta ao lugarejo, encarregou-se o religioso de pôr termo à magnífica obra, cuja fama, a essa altura, já corria os sertões, mobilizando levas de peregrinos em torno dos pés da Santa Cruz.

Deixemos que fale o próprio frei Apolônio, a quem Euclides da Cunha classificou ora como o “apóstolo do sertão”, ora como um “modelo belíssimo” de missionário: “apenas eu de lá parti, Deus, para fazer conhecer que era obra sua e não do missionário, principiaram a aparecer na extensão das cruzes arco-íris de cinco cores, azul, amarelo, branco, roxo, e vermelho. O que vendo o povo ficou admirado e principiou a visitar as santas cruzes e chegando à cruz do Calvário e beijando-a, logo viam que ficavam bons os que estavam doentes. Espalhou-se este boato, e com isto, e com os arco-íris que apareciam, principiaram a concorrer os doentes. E logo cuidei em fazer cal para fechar os passos com uma pequena capelinha e para se fazer a igreja. Mandei fazer painéis grandes a cada passo; no Calvário a imagem de Nosso Senhor; no túmulo Nossa Senhora da Soledade e São João; na igreja matriz, Nossa Senhora da Conceição e o Santíssimo Coração de Jesus”.

Em 1790, por decreto real, foi a vila elevada à condição de freguesia, sob o patrocínio do Sagrado Coração de Jesus. O título conferia status à recém- inaugurada povoação, abrindo caminhos para conquistas futuras.

Cerca de um século depois, outro missionário haveria de galgar aquela estupenda escadaria de pedras sobrepostas, como que a buscar inspiração para seu ardoroso apostolado. Era Antônio Vicente Mendes Maciel ou Antônio Conselheiro, como viria a se celebrizar. O fato foi relatado pela verve inconfundível do já citado Euclides da Cunha: “ao chegar à Santa Cruz, no alto, Antônio Conselheiro, ofegante, senta-se no primeiro degrau da tosca escada de pedra, e queda-se estático, contemplando os céus, o olhar imerso nas estrelas”. Consta que, estando de passagem pela antiga vila, o Conselheiro, sempre auxiliado por seu numeroso séquito, teria promovido alguns reparos na obra de frei Apolônio. É o que se depreende da correspondência de um morador do lugar publicada no “Diário de Notícias”, em junho de 1893, “fui testemunha ocular de que quando aqui esteve [o Conselheiro] ano passado, enviou meios de fazer-se alguns reparos nas capelinhas e na estrada do Monte, daqui, a fim de não continuar na decadência em que se achava a instituição da irmandade dos Santos Passos do Senhor do Calvário, pedindo e aplicando o resultado das esmolas que recebeu para esse fim.”

Os muretes que ainda hoje ladeiam trecho considerável do “calvário”, a partir da primeira capela, no início da subida, seriam obra do Conselheiro e sua gente.

Passados quase dois séculos e meio, a obra de frei Apolônio continua de pé. A cruz redentora de Cristo lá continua de braços abertos a acolher a todos quantos a ela se dirigem na esperança de alívio para as dores mais profundas.

Debaixo do céu imenso e azulado, o Monte Santo é a testemunha mais autêntica do cotidiano sertanejo, tendo presenciado, ao longo dos séculos, histórias tristes e alegres. Histórias tristes como a da sede, do latifúndio, do analfabetismo, da exclusão social; e histórias alegres como a da comunidade de Canudos, em que os sertanejos lutaram até a morte em busca de uma terra nova, longe do jugo dos “coronéis”.

Assim, do labor missionário de um gigante do Evangelho, teve origem a lendária e encantadora Monte Santo. Nas pedras e rochedos em que se assenta a imponente meca da devoção popular, restam gravadas de forma indelével as marcas de heroísmo de um povo que lutou contra todas as adversidades que lhe foram impostas, mantendo-se firme, forte e resoluto.

*Poeta e cronista
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COLABORAÇÃO E COMPLEMENTOS DE:

José Deusimar Loiola Gonçalves

Técnico em Agropecuária(Assistente Técnico de Desenvolvimento Rural-FLEM-BAHIATER-Governo do Estado); Graduado em Administração de Médias e Pequenas Empresas ; Licenciado em Biologia e Pós Graduado Em Gestão e Educação Ambiental(Apicultor e Meliponicultor).
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