BLOG DO DEUSIMAR DAS ABELHAS REVERENCIANDO O BELO ARTIGO DO CONTERRÂNEO AMIGO JOSÉ GONÇALVES.

31

O RÁDIO DO MEU PAI

Ipor José Gonçalves do NascimentoI

Em nossa casa o rádio era quase que um membro da família. E tínhamos para com ele uma relação quase que de amor. Longe de ser apenas um aparelho receptor de ondas magnéticas, um item do mobiliário, ou coisa equivalente, o rádio era o símbolo do encanto, da poesia, do arrebatamento. O rádio nos falou da vida. Nos aproximou do mundo. Nos instigou a sonhar.

Mais do que uma caixa de som, o rádio era uma caixa de sonhos.

O rádio unia; conectava; estabelecia pontes (e pontos) de comunicação – quer no âmbito interno, familiar, quer no âmbito externo, para além das fronteiras; o rádio marcou época; formou gerações; forjou culturas e costumes.

Não há como falar do Brasil sem falar do rádio. E não há como falar do rádio sem falar das divas da voz, que encantaram o país com suas letras e melodias. Ou do “Repórter Esso”, a fazer escola entre os profissionais da comunicação. Ou ainda das rádios-novela, as precursoras dos atuais folhetins, que noite e dia povoam os canais de televisão.

Da mesma forma, não dá pra falar do rádio sem acenar para os monstros sagrados da transmissão futebolística, caso de um Ary Barroso, de um Luís Penido, de um Jorge Cury, de um Waldir Amaral, ou de um José Carlos Araújo, eles que por anos seguidos encantaram os amantes do esporte com suas espetaculares narrações.

Poderíamos até mesmo falar de uma geração do rádio; foi a geração que testemunhou o começo e o fim da segunda guerra; a chegada do homem à lua (se é que chegou, rsrs); o genocídio do Vietnã por parte da turma do Tio Sam; as intrigas e futricas da politicagem do sul; a trama ensurdecedora que obrigou Getúlio a sair da vida para entrar na história; os rasgos demagógicos de Jânio e JK; a quartelada que alçou os milicos ao Planalto Central; a verve retumbante de Jango e Brizola; a retórica ufanista dos propagandistas dos senhores do poder – espécie de fake news a la Bossa Nova.

Foi a geração que assistiu de perto à afirmação da cultura nacional; que viu surgir o Cinema Novo; que cantou com Dalva e Cartola, com Caetano e Gil, com Gonzaga e Jackson do Pandeiro; que vibrou com o Choro, com o Samba Canção, com a Jovem Guarda, com o Baião, com o Tropicalismo.

Foi a geração da vanguarda rebelde. Da grita utópica e revolucionária. Da canção livre e perturbadora.

Embora mais jovem, foi pelo rádio que inicialmente me pus em contato com as coisas que ocorriam lá fora, para além dos confins da minha aldeia.

Pelo rádio soube da eleição de João Paulo II, em 78. Da posse de Figueiredo, em 79. Do fim do exílio de Arraes, também em 1979. Da morte de Luiz Gonzaga, em 89. Pelo rádio acompanhei a última partida da copa de 82, quando a Itália bateu a Alemanha por 3×1. O primeiro comício das Diretas Já, em 84. O discurso de Tancredo na eleição do colégio eleitoral, em 85. A promulgação da Constituição Cidadã, em 88. Pelo rádio, ouvi os hits e ritmos que embalaram os anos 70 e 80, levando ao quase delírio uma juventude cabeluda e boca de sino.

Trago sempre viva a memória do rádio do meu pai a nos acordar nas manhãs sertanejas; era um Semp, 4 faixas, grandão, um primor de aparelho; depois vieram outros e mais outros, todos igualmente primorosos: um Nord Son, um ABC Canarinho, um Campeão Alvorada…

(Os rádios, no geral, eram fixos, irremovíveis e, não raro, eram posicionados em cima de mesas ou pedestais onde desfrutavam de destaque, igualando-se aos objetos sagrados).

O programa favorito naquelas primeiras horas do dia era via de regra a “Linha Sertaneja Classe A”, do Zé Bettio, na antiga Record de São Paulo; era ao som do seu repertório – repertório que ia desde Inezita Barroso a Tião Carreiro e Tonico & Tinoco – que meu pai se arrumava todas as madrugadas a fim de enfrentar o batente.

Batente que só se findava, de fato, às 7 da noite, quando vibravam os primeiros acordes do Guarani, de Carlos Gomes, introduzindo a Voz do Brasil e, com ela, o noticiário do dia.

O rádio foi assim uma espécie de trilha, a conferir alma e ritmo aos nossos dias – desde a alvorada até o anoitecer. Com ele despertávamos e com ele repousávamos. Com ele transpúnhamos fronteiras e com ele varávamos a noite. Com ele mergulhávamos na ilusão e com ele perseguíamos a utopia.

O rádio fez-se norte. Fez-se luz. Fez-se um pássaro misterioso a semear encantos pelas paragens desertas de vozes e de ouvidos. O rádio fez-se eterno.

Nenhuma descrição de foto disponível.
NOTE: Esta relíquia da imagem acima foi um dos primeiros rádios da famosa marca ZILOMAG, que chegou em Uauá comprado pelo meu sábio tio José Gonçalves, precisamente na velha década de 60.

  • A imagem pode conter: 2 pessoas, pessoas sentadas
  • Pegando carona conterrâneo amigo José Gonçalves do Nascimento, tenho absoluta certeza que nesse fantástico meio de comunicação da marca Campeão Alvorada de seu papi amado Adonel Costa Nascimento, ele ouviu por várias vezes lá na Fazenda Marruás, a voz deste homem forte das abelhas quando animava a galera do campo nos programas:O Informativo Rural e posteriormente a Voz do Campo. Na minha modesta condição de extensionista apaixonado pela fantástica carreira da Extensão Rural, programa de rádio e difusão, foi; é; e continua sendo o método de extensão mais eficiente e eficaz, porque nas primeiras horas do dia o sofrido, porém, importante agricultor familiar recebe uma verdadeira carga de conhecimentos e neste mesmo momento toma o primeiro cafezinho quente do dia. Parabéns pelo seu belo artigo. Buenas Noches.José Deusimar Loiola Gonçalves
    Técnico em Agropecuária (Assistente Técnico de Desenvolvimento Rural-FLEM-BAHIATER-Governo do Estado); Graduado em Administração de Médias e Pequenas Empresas; Licenciado em Biologia; Pós Graduado Em Gestão Educação Ambiental e Acadêmico da UNITAU-EAD-Polo de Tucano – Curso Superior de Tecnologia em Apicultura e Meliponicultura.
    Zap: (75) 99998-0025 (Vivo) – (75) 99131-0784 (Tim).
    Blog: https://www.portaldenoticias.net/deusimar